Ela foi, mas o coração ficou!
Quando ela foi morar fora, descobriu que para realizar um sonho teria que abrir mão de muita coisa, mas muita mesmo. Seja o almoço de domingo na casa dos pais ou os Natais em família, tudo isso ficou em segundo plano quando ela partiu. Porém, a vida é assim e ela, querendo ou não, sabe disso.
Partidas e chegadas
Se partir foi complicado, a chegada dela no novo local de morada conseguiu ser pior. Foi um momento que exigiu muito, ela era metade euforia e a outra metade ansiedade. Era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, uma infinidade de mudanças para a cabeça dela. Tudo era novo, tudo era tão diferente.
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Lidando com a saudade
Aos pouquinhos ela foi se adaptando. A adrenalina foi baixando e as coisas começaram a entrar nos eixos. Demorou, levou um tempo, mas aconteceu. E então ela descobriu que era mais ser humano do que imaginava, que era tão forte e tão sensível, que era resistente, mas sofreu muito para aguentar.
Era a saudade. E ela destrói. Deixa em pedaços e cada um leva um tempo para começar a senti-la. Uns sofrem já no começo, outros mais para frente e outros ainda mais adiante. Pode levar horas, dias, semanas, meses ou anos, mas quando a saudade chega acredite, ela arrebenta com tudo.
Morar fora: é fácil entrar em depressão
“Preciso voltar”
Aí ela se organizou, deu um jeito de guardar dinheiro, trabalhou dobrado, arrumou tempo para três empregos, pegou empréstimo e se virou para voltar de onde partiu para dar um cheiro na galera que ela tanto ama. E nessa ponte, nesse vai e vem é que ela teve absoluta certeza que partir é bom, mas que poder voltar e ganhar um abraço de quem ficou é inexplicável.
Porém, a vida dela já não cabe mais na cidade de onde saiu. Ela matou a saudade bem matada, refez as malas, se despediu novamente e voltou para o novo já não tão novo país. Foram horas e horas num avião onde aproveitou para ver as fotos que tirou, rever os vídeos que fez, deu um jeito de levar todo aquele sentimento nessa caixinha tecnológica que está em suas mãos.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
A ligação
Então voltou para a dura rotina de imigrante. Muito trabalho, estudo, esforço dobrado e tudo aquilo que acontece na vida de quem mora fora. Porém, numa tarde qualquer o telefone dela toca e é uma ligação do seu pai e, de cara, ela achou muito estranho. Era fora de hora, não tinha sido combinado. Estranho, estranho… muito estranho.
Na real era daquelas ligações que ela nunca queria receber, mas que acontecem. É para dar a notícia de que os exames ficaram prontos e que o pai dela está com câncer. Silêncio. Ela engoliu o choro e buscou força da sua alma para não demonstrar que estava destruída, que queria largar tudo e pegar o primeiro avião para voltar correndo para a casa.
Morar fora: as vezes a gente só precisa de um abraço
O que é morar fora?
Parafraseando a pessoa que eu homenageio com esse texto: “morar fora é lidar com a dor da ligação do seu pai dizendo que está com câncer e você, do outro lado do mundo, fingir que é uma gripe e que vai ficar tudo bem :(”. É… morar fora é isso, é isso e muito mais.
Como disse no começo do texto, “quando ela foi morar fora, descobriu que para realizar um sonho teria que abrir mão de muita coisa, mas muita mesmo […]”, porém nós nunca contamos com os imprevistos da vida. Na real a gente, de maneira inocente, acha que vai partir e que tudo vai permanecer como a gente deixou. Mas isso sabemos, não é verdade.
Morar fora: agora o gringo sou eu
Do lado de cá do mundo a gente não deixa somente de conviver com quem a gente ama, as vezes a gente corre até o risco de perder quem ama. A gente não conhece o sobrinho recém nascido, a gente não viu a prima casas, na maioria das vezes nem tem tempo de chegar para um último adeus. E isso, essa impotência é que nos quebra as pernas. A gente quer um mundo novo, mas não admite que o nosso mundo antigo mude. E isso é impossível.
Na real receber uma notícia assim faz todo e qualquer chão sumir, faz a gente pensar e repensar a nossa existência, nos deixa a ponto de desistir de tudo. Porém, tal e qual o começo da nossa história aqui fora, teremos que recomeçar sentindo a maior das nossas dores, tendo uma sensação de impotência elevada na décima potência.
Morar fora: a pior das cirurgias
E faremos nossas orações, mas vamos cair no choro do nada. Dói, mas vai doer muito ainda. É o preço, talvez o preço mais alto que a gente tenha que pagar quando resolve morar fora. É uma prestação sem fim, um financiamento que nunca acaba, uma dívida que nunca será quitada, pois morar fora é sentir saudade, mas é também perder o convívio e deixar quem a gente ama lá do outro lado do oceano.
E se o tempo não volta, vamos aproveitá-lo da melhor forma que pudermos. Relembrar os abraços, as palavras de carinho, as risadas, os choros, os beijos e, se tudo der certo, tentar voltar para um reencontro. Ah, e que o reencontro seja para abrir um espumante e comemorar a cura, quem sabe? Deus sabe. Acredite!
1 comentário
Que texto maravilhoso, prendeu minha atenção em cada palavra… lindo de mais.