Talvez você não se lembre, mas muito provavelmente pensou e até disse para quem duvidava da sua capacidade de morar fora que, caso tudo desse errado, você faria brigadeiro para vender. E foi assim que, até sem saber, você ajudou o brigadeiro a ser promovido para muito além de um doce delicioso e torná-lo o nosso amuleto da sorte.
Medo do desconhecido
É claro que morar fora suscita os medos mais ocultos e encarar o desconhecido sempre foi algo complicado. Tente manter a tranquilidade, pois isso não acontece/aconteceu só com você. Sair debaixo da asa da mãe, não ter a casa do avô na próxima esquina, ir para um lugar onde a língua falada é outra e até a comida parece esquisita são mais do que bons motivos para todo esse medo.
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Desde sempre nos viramos
Nós que nascemos no Brasil sempre tivemos que nos virar nos 30. Escuto com frequência aqui fora que nós (brasileiros) somos muito felizes. Claro que somos, imagine que eu que tenho 35 anos e, nesse tempo, vi moeda mudando, vi poupanças sendo congeladas, vi inflação, crises, violência e tudo aquilo que, no fim, nos ensinaram que se tudo estiver mais ou menos bem, está mais do que ótimo.
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Felicidade na simplicidade
Por isso acredito que o brigadeiro é mais uma dessas coisas que, de tão simples, nos deixa super felizes e é também o nosso amuleto quando a gente mora fora.
Não somente porque devorar um brigadeiro morno direto da panela com uma colher pode deixar o nosso dia muito melhor, mas porque é esse mesmo brigadeiro enrolado e com granulado que, em muitos casos, nos ajuda a pagar as nossas continhas por aqui.
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Um pouco já está bom
A gente não precisa de muito, só do básico para, pelo menos no começo, encontrar alguma estabilidade. Não é fácil e tentar vender brigadeiro para um gringo é quase como a primeira vez que você comeu sushi (se é que isso já aconteceu).
Provavelmente rolou alguma estratégia, você teve que se despir dos preconceitos, respirar fundo e encarar a novidade. O tal do peixe cru! — no caso do brigadeiro para o gringo é a mesmíssima coisa.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
Orgulho e medo
Lembro de dizer antes de partir que, se fosse necessário, cortaria grama já que ela cresce no mundo todo. Também recordo de, com o coração cheio de orgulho, afirmar que não via problemas em limpar banheiro ou fazer outro trabalho que me ajudasse a continuar aqui fora.
A gente diz isso tudo como uma espécie de defesa, a gente usa os mais diversos argumentos para justificar a nossa partida e esconder que, por dentro, estamos apavorados e cheios de medo.
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O começo e os brigadeiros
Ok que no início as coisas podem não sair como a gente espera e fazer brigadeiros para vender seja uma alternativa. Não é vergonha para ninguém encontrar a sua maneira de sobreviver, seja aqui ou em qualquer lugar do mundo.
O brigadeiro é, sem sombra de dúvidas, o ganha pão de uma galera que foi para o exterior e está na luta para lá se manter.
Antagonismos
E tão antagônico quanto sair do nosso país para “promovê-lo” através de um doce que é só nosso, é vender brigadeiros para adoçar a vida dos outros e, assim, dessalgar e tirar o amargo da nossa vida.
Hoje escrevo esse texto pensando justamente na turma do brigadeiro, na galera que coloca na panela uma lata de leite condensado, uma colher de sopa de manteiga, sete colheres de sopa de achocolatado e depois de esfriar enrola um por um com chocolate granulado.
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Galera do brigadeiro
Essa galera organiza um por um numa caixa e sai, sem medo, na cara e na coragem, oferecendo brigadeiro em outra língua para pessoas que nunca ouviram falar desse doce e que, na maioria das vezes, vai dizer aquele mesmo não que você já disse para o sushi torcendo o nariz. E com os brigadeiros nos braços vão colecionando “nãos” e ficando, a cada passo, mais fortes.
Se o brigadeiro hoje é o seu amuleto morando fora, não tem problema. Muitas vezes é através desse brigadeiro que o seu sonho está se tornando realidade e que você está recebendo um treinamento intensivo para ter gratidão no futuro.
Afinal de contas, ficar é sempre mais seguro e partir é para quem não enxerga problemas em quebrar paradigmas, colecionar “nãos” na esperança dos “sims” que ainda não vieram, mas que logo estarão batendo na sua porta ou empurrando a tampa da caixinha onde estão os seus brigadeiros.