Morar fora é estar entre o agora e o para sempre. Devemos viver o hoje ou pensar no futuro? Tudo é eterno até deixar de ser.
*Atualizado em 28 de julho de 2022.
A decisão de morar fora é agora. A gente cansou daqui, a gente precisa partir, nossa vida não está fazendo sentido algum, nós nos sentimos como peixes fora d’água. A vontade aumenta a cada dia e motivos não faltam, porém sem saber estamos entrando em um território hostil que, se tudo der certo, nos deixará com os dois pés lá e os dois cá.
Entre o agora e o para sempre: a ideia é nunca mais voltar
Ninguém que resolve morar fora pensa que alguma coisa pode dar errado. A ânsia cega, o querer e o empenho são armadilhas capazes de deixar qualquer um desnorteado. Quem nunca passou por isso dificilmente compreende que, partir para um recomeço, pode ser uma das coisas mais complexas da nossa existência. Morar fora é mergulhar com tubarões, é acariciar a juba do leão, é fazer um safari a pé.
Os sonhos se misturam com determinação, são os propósitos e o ideal de poder começar novamente que nos lançam em mar aberto. Saímos da nossa casa com uma convicção tão grande de que tudo lá fora terá que dar certo que, a última coisa que passa pela nossa cabeça é que, um dia, poderemos voltar.
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Vivendo o agora
Não temos certeza de nada, não sabemos se iremos nos adaptar, ainda nem encontramos uma casa, mas temos pressa. É agora, agora e agora. Precisamos nos libertar da vida que temos, não aguentamos mais a mesmice do dia a dia. Estamos com uma inquietação, uma aflição que só começa a diminuir quando ouvimos a chamada para o voo ou até mesmo quando estamos subindo as escadas do avião.
Porém, mal sabemos que quando partimos, solucionamos um problema, mas encontramos e criamos outros tantos. Damos atenção para o agora e esquecemos que, para sempre, mudaremos. A gente vai mudar mesmo sem querer, o mundo vai diminuir, começaremos a dominar um novo idioma, teremos amigos “gringos”, nos perderemos pela multidão e nos acharemos nela mesma.
Seremos multi-funções, não ligaremos de trabalhar num pub ou de cuidar de crianças, o vento na cara na bike que range depois de conseguir ganhar uma graninha vai compensar a luta.
Alto preço que pagamos
Deixamos o velho e abraçamos o novo, mas isso terá um preço alto a se pagar e a conta logo vem. Teremos que levar a saudade na garupa, engoliremos seco a cada notícia ruim de algo que aconteceu com alguém próximo. Seremos apresentados e conheceremos a nossa sobrinha recém-nascida pelo Skype, não poderemos abraçar a nossa mãe quando o nosso pai partir e, nem que a gente queira e possa, chegaremos a tempo para o velório de um velho amigo.
Aqui de longe a gente vê a vida dos que a gente ama como assiste a uma novela. Nós nos envolvemos, conhecemos toda a trama, vemos cada capítulo, nos apegamos aos personagens mas somos, na melhor das hipóteses, apenas e meros telespectadores. Nossos irmãos não poderão segurar a nossa filhinha bebê no colo, nós não estaremos na colação de grau da prima e, nas nossas conquistas, os abraços e as congratulações virão na tela do smartphone.
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Agora e o para sempre
Para sempre seremos o irmão que mora em Portugal, a tia que vive na Austrália, o primo que se mandou para o Canadá, a amiga que nunca mais voltou da Inglaterra ou o vizinho que resolveu embarcar para o Japão. Em prol do agora, esqueceremos que, para sempre, a gente ganhou de um lado, mas perdeu do outro, que cobriu a cabeça e deixou os pés de fora numa noite de inverno.
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A gente sabe
Como dizem por aí: “não se pode ter tudo na vida” — mas nós temos algumas certezas que, feliz ou infelizmente, nos fazem continuar por aqui. Sabemos, e eu não sei como, que a nossa evolução foi impulsionada com a nossa ida para fora, que a gente só conseguiria aprender inglês “para sempre”, vindo pra cá. Descobrimos que a gente sabe sim recomeçar, que não temos problema algum em comer algo além do arroz com feijão, que dirigir na mão inglesa nem é tão difícil quanto parece e que a gente vai aprender a caminhar na neve enquanto o inverno não passar.
Agora podemos dizer que, para sempre, a nossa vida valeu e vale muito a pena. Agora temos certeza de que, de outra maneira, não teríamos nos construído, jamais teríamos mudado, nunca passaríamos pelo que passamos. É morando fora que a gente se vê entre o agora e o para sempre, entre o recomeço e o fim da estrada, entre a saudade e a sobrevivência, entre preferir ser do que ter. Agora, se vocês me dão licença, eu vou ali curtir o meu “para sempre” antes que ele acabe.
Como avaliar se chegou o momento de voltar para casa?
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