Quando você vai morar fora sua casa passa a ser o mundo, porém você não tem casa em mundo algum.
Depois de embarcar na cápsula do tempo e partir para a nova dimensão, você se torna um cidadão do mundo. Se sente bem em qualquer canto, mas não se sente completo em lugar nenhum. Se tornar “cidadão do mundo” é uma espécie de autopromoção que, como tudo na vida, tem o lado bom, popularmente conhecido de bônus, e o ruim, comumente chamado de ônus.
O bom é que a sua nova casa é o mundo, mas você perceberá aos poucos, que não se sente em casa em lugar nenhum. Ok, durante algum tempo você até se sente completo, mas logo o vazio começa novamente e a vontade de partir perturba. Essa é só mais uma, das milhares de contradições que quem mora fora começa a sentir e vivenciar.
O mundo é o meu lugar?
Você, como todo ser humano, provavelmente já se pegou sentado olhando para o horizonte em algum lugar do mundo pensando: o que será que tem lá do outro lado?! – se isso já aconteceu, bem-vindo ao clube dos curiosos e insatisfeitos. Pensar nisso, reservar alguns minutos por dia para questionar o lado de lá, o desconhecido, talvez seja uma das principais razões que lhe fizeram colocar a mochila nas costas e partir.
É nosso, é da nossa espécie querer descobrir, ser curioso e conseguir misturar medo com ousadia o tempo todo. Precisamos de adrenalina correndo nas veias para nos sentirmos completos. Temos medo do desconhecido, mas nossa ânsia em ver, sentir e provar coisas novas nos força a ultrapassar fronteiras nem que, para isso, sejamos forçados a sentir as piores dores da alma (inclua a saudade nesse pacote).
Depois de ultrapassar a linha imaginária de alguma fronteira para viver, você percebe que o mundo começa a ser explicado para você em mínimos detalhes. São as aulas mais valiosas que você jamais poderia ter em um banco escolar. Algumas perguntas, que você não encontrava a resposta, começarão a ser respondidas naturalmente, em doses homeopáticas ou todas de uma vez e a sua vida começará a fazer algum sentido.
Falo “algum sentido” porque a coisa mais normal da nossa existência é não conseguir encontrar sentido em muita coisa, principalmente em relação aos nossos sentimentos. Quer ver?! Por que sentimos saudade?! Por que precisamos estar distante de quem amamos?! Por que a vida nos obrigou a sairmos de casa?! Por que é tão difícil fazer as escolhas certas?! Por que não encontramos resposta para tantas perguntas?!
Tenho casa, mas prefiro o mundo
Hoje moro em Portugal, até ontem morava no Brasil e amanhã sabe-se lá onde vou morar. Me tornei um cidadão do mundo que se sente em casa em diversos países, mas que não tem casa em nenhum deles. É louco, parece conversa de bêbado, mas quando visitei a Alemanha me vi morando lá, bem como quando estive no Uruguai e o mesmo aconteceu até na África do Sul. Ou seja, pouco importa o continente, o clima ou a língua, importa o que sentimos estando onde estamos.
Dizem por aí que a primeira cerca é sempre a mais difícil de ser derrubada, mas que depois que ela cai, outras são tiradas da nossa frente sem que nós sequer tenhamos percebido. Ainda não retornei para o Brasil desde que dele saí em 2014, mas sei de pessoas que viveram anos fora e quando voltaram não se sentiam mais “em casa”. Você volta para a sua casa, mas ela não é mais sua, foi pulverizada e o pó espalhado pelo globo terrestre.
Saudade de Momentos
Quando estou nostálgico e me pego pensando no que sinto saudade, tento me questionar se estou sentindo falta de alguma coisa material ou de algum momento. Tem muita diferença. Se você está com saudade da sua casa, por exemplo, só de entrar nela você estará, em teoria, satisfeito. Agora, se você está sentindo falta dos momentos que viveu nessa mesma casa, talvez você retorne para ela e continue cheio de saudades. Não é o local, mas o que aconteceu naquele local. Das pessoas, daquele natal, da roda de violão no luau improvisado, do chimarrão na calçada da frente enquanto conversava com seus amigos e familiares. Demorei e ainda continuo me questionando: sinto saudade do real ou do abstrato, do concreto ou do imaginário?!
Os momentos vividos não voltam mais, é triste, mas é importante descobrir do que você sente falta. O clichê da água do rio que passa debaixo da ponte parece fazer muito mais sentido agora. Depois de morar fora, descobri que os momentos são infinitamente mais importantes do que qualquer coisa material que eu tive ou tenho na vida.
Promova Momentos
A oportunidade de promover momentos é o que nos faz sermos cidadãos do mundo. Aquele encontro no Porto, o abraço rápido no aeroporto em Londres, a balada em Melbourne, a pizza em Veneza, o milk-shake em Nova Iorque, o caldinho de sururu em Salvador ou o Carnaval que você passou com a galera no interior de um estado qualquer.
São esses momentos, pequenos recortes de uma vida toda que fazem sentido. Você pode até sentir falta do seu carro ao pegar o busão na gringa, mas se no busão estiverem as pessoas certas para aquele momento, logo você estará sentindo falta dos momentos de felicidade que eram vividos ali dentro. Promover bons momentos, esse talvez seja o grande aprendizado que carrego comigo depois da experiência de morar fora.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
Nem Aqui, Nem Lá
Morar fora é se tornar um eterno insatisfeito. As dificuldades que encontramos pelo caminho nos fazem pensar em desistir, e até por vezes precisamos fazê-lo, mas é incrível que o medo de partir para o novo parece desaparecer dia após dia. Encaramos qualquer parada e nem a China parece tão complicada se comparada com a primeira vez que pisamos num chão desconhecido.
Você mora aí, mas se precisar ir pra lá, vai de boa. E se surgir uma oportunidade em Dubai?! Vamos nessa. E se a vaga for no Canadá?! Sem problemas, é só ir e se tiver frio colocar casaco. E se a universidade que você sonha fazer um curso ficar no Marrocos?! Não dá nada. Parece que perdemos o senso de distância, parece nada é tão longe, que língua alguma é tão difícil, que converter moeda é moleza, que comer tudo com muita pimenta é natural e que o jardim da nossa casa não tem muros ou cercas vivas.
Pense Bem Antes de Partir
Se você ainda não partiu, pense bem, pois depois de ter a sua primeira experiência morando fora, você NUNCA MAIS SERÁ A MESMA PESSOA. NUNCA MAIS. Coloquei em letras maiúsculas de propósito para que você perceba o peso do que estou querendo lhe dizer. Seu senso crítico vai mudar, sua visão de mundo vai se alterar, coisas bobas passarão a ser relevantes, coisas importantes não serão tão importantes assim. O resultado disso é que muita gente passará a ser incompatível, o pensamento começa a não bater e há uma tendência natural ao afastamento. É um dos ônus.
Quem Já Partiu Pode Confirmar
Aquele emprego que era “para sempre” não existe. Sua carreira que lhe trazia segurança não é nada segura. Você aprenderá a celebrar os bons momentos, independente do dia da semana. Um encontro com alguém que amamos será levado muito mais a sério, o tempo não será levado a ferro e fogo no dia a dia (só no aeroporto), o chazinho e a canja num dia de gripe feita por quem amamos nunca teve tanto valor.
Ser cidadão do mundo é ser cidadão do todo mesmo não tendo nada. É morar em qualquer lugar, mas não ter casa em lugar algum. É perceber que dinheiro ajuda, mas não define a sua vida. É ter orgulho de carregar um passaporte cheio de carimbos, é sentir saudade de tudo e de todos com quem você passou bons momentos. É sorrir olhando o mar, é chorar ouvindo boa música.
Se eu abriria mão da possibilidade de me tornar cidadão do mundo?! Jamais. Prefiro não TER nada, SENDO quem sou.
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*Cláudio Abdo publica textos sobre a experiência de morar fora todas às segundas e quintas aqui no site Vagas pelo Mundo. Volte sempre!
1 comentário
São os momentos que nos fazem quem somos! E lar, é onde vc está agora! Somos nós que fazemos de um simples apto alugado um lugar para se chamar de lar… está dentro de nós! Nos vemos pelo mundo <3