Ser “do mundo” é o sonho de muita gente, especialmente daqueles desgarrados que não temem o novo e que buscam novas experiências a cada instante. Porém, ser do mundo muitas vezes também significa ser de lugar algum e é aí que o bicho pega, é nesse momento que o rótulo de maluco ou de doidona cobra o seu preço.
A menina do pub tinha 25 anos. Loira e de olhos claros passava tranquilamente por uma polonesa ou alemã, sei lá. Sentei-me, fiz o pedido e ela, ao me ver falando com a minha esposa, pergunta: vocês são brasileiros?. Bom, entre o “sim” da resposta e o fim da refeição é que nasce esta história (ou estória).
Força extrema
Na cidade cosmopolita são faladas, tranquilamente, mais de 100 línguas diferentes. Tem gente do mundo todo, é um aglomerado de pessoas indo e vindo, um lugar de passagem que, apesar de trazer experiência, dá a sensação e confirma que ninguém é de lá. A menina do pub, forte como uma leoa e com a voz firme, nos conta que vive nessa loucura em forma de cidade há alguns anos.
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Que saiu do Brasil para arriscar o pouco que tinha e na mala trouxe, basicamente, a saudade dos pais já falecidos e a força de ter que, órfã, encarar o mundo sem muita base e apoio. Para trás também ficou o irmão e, ao falar dele, sua força perde a imponência e seus olhos se enchem de lágrimas.
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Uma saudade diferente
É obvio que ela já não pode imaginar que, no próximo Natal, terá uma ceia em família. Assim como também é certo que a menina do pub não irá receber os seus pais e nem poderá levá-los para conhecer a cidade onde ela tanto rala. Seu coração está cheio de saudade, mas daquela saudade que eu morro de medo de sentir, uma saudade que nunca vai acabar, que não poderá se desfazer num abraço e tão pouco na ligação pelo Skype.
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Lágrimas
Falando do irmão ele se emociona. Suas palavras se transformam em uma espécie de pedido de socorro silencioso, um berro saído diretamente da alma da menina do pub que, com a voz trêmula, apoia a bandeja e continua contando como está sendo a sua aventura de morar fora. Ela trabalha ali e, entre idas e vindas, diz que já fez de tudo um pouco. Segundo ela, o trabalho com o público trouxe a fluência no idioma, alguns amigos e ensinou muitas coisas boas.
Dali e de nenhum lugar
A menina do pub estava ali, mas não se sentia dali. É muito louco sentir isso e quem já se jogou e partiu para a aventura de morar em outro lugar compreende melhor o que eu estou dizendo. Acontece que a vida foi se organizando (ou desorganizando) e a menina chegou até aquele pub, mas a verdade é que ela só estava de corpo presente.
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E a alma?
A alma da menina do pub parece ter ficado na saudade. O espírito estava junto de seus pais, ao lado do seu irmão, no Brasil ou sei lá onde. A vida é aqui fora, mas a vontade dela, mesmo que sem dizer, era de poder partir o mundo como um pão velho e juntar os farelos da melhor maneira ou de um jeito onde ela pudesse estar ali e lá, nesse tempo e no passado, junto com o irmão que está vivo e os pais que já não estão mais neste plano.
Coração em pedaços
Seu coração estava em pedaços e ela só conseguiu disfarçar durante os primeiros dois minutos de conversa. Depois e ao começar a contar a sua história deu para perceber que o seu coração estava destroçado e que havia uma guerra interna acontecendo naquele instante entre sua alma machucada e seu coração valente. Ficar porque é necessário lutar, partir porque é preciso tratar das feridas.
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Cuide-se
Se você ainda não partiu, prepare-se. Caso você já tenha partido e esteja morando fora, ficar entre a cruz e a espada é rotina e a gente até acostuma, mas isso não significa que não precisamos de ajuda, de colocar pra fora os diversos sentimentos que estão nos sufocando ou até mesmo de um abraço mais demorado. A luta de se manter por aqui pode receber todos os adjetivos do mundo, menos o de que é fácil. Não é.
Existem milhares de meninas do pub por aí, mas também existem os rapazes do escritório, as meninas estudantes, os homens do banco, as mulheres da Universidade, as senhoras da loja ou os senhores do supermercado. Muitos estão felizes, mas outros tantos com a alma em frangalhos.
Espalhados pelo mundo, nós que moramos fora calçamos sapatos bem pesados que, a cada passo, nos lembram de onde saímos e para onde estamos indo. Uns conseguem ganhar forma física rápido, outros irão, dia após dia, tendo mais e mais dificuldades em levantar as pernas e seguir em frente.
Aceite o conselho de quem já mora fora a algum tempo: resista o quanto for necessário e lute, mas não cometa o erro daqueles viciados em jogos e saiba a hora certa de parar. Ficar, perseverar, vencer e encontrar o seu lugar ao sol é bonito, mas se conhecer e entender o seu limite é, sem sombra de dúvidas, a prova cabal de que morar fora é sim sinônimo de amadurecimento, de autoconhecimento e de aprender as regras do jogo, ou da vida, a todo o custo. Custe o que custar.