Não, nem tudo são flores na vida de quem decidiu partir e morar fora.
A gente que mora fora vai aprendendo, já na chegada e sem muito rodeio, o significado de saudade. Ela bate sem piedade, ela chega chegando, ela machuca e faz até os mais resistentes se curvarem. Ela está na música que você ouve, na foto que surge na timeline da nossa rede social, no áudio que vez ou outra a gente recebe pelo WhatsApp ou no vídeo carinhoso que a gente resgata num e-mail antigo. A saudade é uma companheira indesejada, mas sempre presente na nossa vida aqui fora. A gente saiu de casa, deixou quem a gente amava para trás. A gente encheu peito de coragem, disse diversos “até logo” e muitos “adeus”, decidiu recomeçar lá longe, do outro lado, numa cidade que não tem o nosso sotaque, num país que é banhado por outro oceano onde até o vento é diferente.
Manifestações de Saudade
Vou lhe contar uma história que aconteceu comigo. Há uns dias eu fui no correio para enviar uns livros meus que foram comprados e que estavam cheios de dedicatórias carinhosas para pessoas de diversos países do mundo. Aliás, aproveito para dizer que se você quiser um exemplar do meu livro com uma dedicatória exclusiva é só enviar um e-mail para: [email protected] — acredite, o livro vai chegar até você e eu prometo que ele vai lhe emocionar e ser um excelente companheiro. Bom, voltando. Costumo ir no correio mais perto da minha casa e já conheço as meninas que lá trabalham, porém nesse dia a atendente estava com um olhar triste, com os olhos prestes a explodirem em lágrimas.
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Como vou quase todos os dias naquela agência dos correios, pedi licença, perguntei o que ela tinha e a resposta me quebrou as pernas. Ela me disse: “Eu estou com saudade!” — e eu, que quase sempre ando com uma boa resposta no bolso me calei por alguns segundos, mas tentei emendar e disse: “Eu sei bem o que é isso, pois a gente que mora fora aprende cedo o que é saudade”. Então ela continua e diz: “Ééé, porém a saudade que eu sinto jamais passará”. As lágrimas caem, molham o seu rosto e ela, constrangida com o público, enxuga prontamente com um lenço de papel tentando segurar um choro dolorido, difícil. Com a voz embargada, ela me olha no fundo dos olhos e arremata: “Eu estou com saudade do meu pai que faleceu há cinco meses. Na última sexta-feira foi aniversário dele e o que mais me machuca é saber que eu jamais vou poder lhe dar um abraço novamente ou ouvir sua voz”.
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Aquilo me Pegou
Pegou mesmo. Pegou porque quando a gente decide partir para a aventura de morar fora, a gente conta com um possível reencontro, mesmo que por Skype, com as pessoas que amamos. A gente acha que os que ficaram estarão lá para sempre nos esperando, porém ser relembrado de que isso não é verdade, é como levar um soco no estômago. É um duro lembrete de que fazemos, todos os dias, escolhas e que a decisão de morar fora é mais uma delas que não poderá, jamais, ser revertida. Nem que a gente volte, o tempo que passamos distantes já foi, passou e não volta nunca mais. Pensei durante muitos dias naquele choro, nas palavras que a atendente dos correios me disse e, confesso, ainda estou tentando digerir. Digerir e aceitar que, mesmo sem querer, amanhã eu posso ser avisado de que alguém que eu amava e que ficou partiu e meu coração se reduzirá a pedacinhos.
O Peso das Escolhas
Partir para o novo é emocionante, traz gás para a vida, faz a gente acelerar, tentar encontrar o nosso caminho, lutar pelo nosso solzinho. A gente acorda para a vida, a gente começa uma batalha sem fim para sermos reconhecidos, uma luta interminável para conseguir sustento e uma vida melhor. Porém, nesse caminho vamos fazendo escolhas e, inevitavelmente, deixando para trás os nossos pais, irmãos, sobrinhos, parentes, amigos, vizinhos, clientes e tanta gente massa que, algum dia e de alguma forma, foram cruzando a nossa estrada. Ao pensar na saudade, todas estas pessoas aparecem na memória e nos lembram quão importante, grande e pesada foi a nossa escolha de morar fora.
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Respirar e Seguir em Frente
O fato é que ao optarmos por morar fora, abrimos mão do que tínhamos para conquistar o que ainda não era nosso. Temos que abdicar das garantias e abraçar o incerto, somos obrigados a jogar para cima um trabalho chato, mas que nos garante, e trabalharmos na loja de um estranho sem saber se a gente vai receber no final do mês. É trocar um apartamento inteiro por um quarto, é largar a chave do nosso carro e pegar num cartão mensal de passe de ônibus ou até mesmo numa bike usada. Morar fora vai nos fazer rir até doer a barriga, mas também vai nos fazer chorar de soluçar. Morando fora a gente aprende a conviver com os extremos e, com a saudade, não é diferente. Num dia ela nem será percebida, porém no outro fará questão de aparecer e dizer: “Olá, eu sou a saudade e estou aqui para acabar com o seu dia”. Sim, quando a saudade quer ser lembrada ela consegue e, geralmente, é muito bem sucedida nessa tarefa.